terça-feira, 2 de maio de 2017

QUE CHATICE...















QUE CHATICE...



Se canto, o fado,
Bem batido, bem marcado,
Dizem logo com agrado,
Que é bonito e é castiço.
Se bebo um “copo”0,
Que é a coisa que mais topo,
Deve ser acompanhado,
Pela “broa”1 com Chouriço.

Se leio a “lista”2,
Que se vê e está à vista
Dizem logo, é fadista,
Porque olhas prá parede,
Se meto um tinto,
Ninguém sabe o que sinto
Ou então, porque não pinto,
De outra côr o caldo verde.

Porém se digo,
Com raça e altivez
Que acabou a fadistice…
Dizem logo que chatice
Ouve lá, ó meu amigo,
Canta isso outra vez!

Se olho alguém,
Mesmo que seja por bem,
Oiço logo com desdém,
Que pensei em conquistar.
Se pisco um olho,
Já sei, vamos ter “molho”3
E ou me calo, ou então escolho,
Outra forma de piscar.

Se esta chatice,
Que eu canto por “perrice”4
Não tiver quem a “enguice”5,
Vos prometo chego ao fim.
Se alguém pensa,
Que me tenho de calar,
É melhor, pôr-se a “cavar”,
Pois o “Fado”6 é assim.

Porém se digo,
Com raça e altivez
Que acabou a fadistice…
Dizem logo que chatice
Ouve lá, ó meu amigo,
Canta isso outra vez!

Porém se digo,
Com raça e altivez
Que acabou a fadistice…
Dizem logo, ó meu amigo,
Para lá com esta “chatice”7
Não cantes isto outra vez…


Raiz do Monte
(1989)


Notas do autor: Poema de fado brejeiro com recurso à gíria. Na sinonímia, são destaques os vocábulos seguintes: (0) copo = copo de vinho/ (1) broa=pão de milho/ (2) lista= menu, carta de refeição/ (3) molho= pancada/ (4) perrice = birra infantil, amuo/ (5) enguice= tramar, amaldiçoar/ (6) Fado= canção portuguesa, vida sina ou sorte/ (7) chatice= aborrecimento.

2 comentários:

Ler é dizer Olá! Ao autor.